Por exigência da Fifa, os estádios brasileiros da Copa de 2014 devem adotar medidas para preservar o ambiente. Os projetos são notáveis. Mas a arquitetura sustentável é sempre mais eficiente no papel do que fora dele
O verde nos estádios brasileiros da Copa de 2014 deverá ultrapassar – em muito – o gramado. Por exigência da Fifa, a arquitetura das doze arenas que sediarão as partidas precisa ser sustentável, ou seja, guiada por preocupações ecológicas. Todos os projetos já aprovados adotam tecnologias para economizar água e energia. Boa parte deles utilizará formas limpas de produção de energia, como o vento ou os raios de sol. Outros coletarão e aproveitarão a água da chuva para usá-la em limpeza, irrigação e nas torres de resfriamento de ar-condicionado. Alguns estádios, como o Fonte Nova, de Salvador, farão tratamento do esgoto de pias e chuveiros reutilizando a água tratada. Nos projetos, dá-se também prioridade a materiais como aço e concreto reciclados ou produtos certificados, como madeiras, produzidos na região, o que diminui a emissão de poluentes com o transporte. É o exemplo do Mineirão, em Belo Horizonte, que usará plásticos reaproveitáveis e placas de madeira reciclada ou de reflorestamento na reforma das áreas internas. Todos os desenhos arquitetônicos aproveitam ao máximo a iluminação e a ventilação natural e têm sistema de coleta e separação dos resíduos. Computadores deverão controlar a iluminação, a refrigeração e a temperatura interna dos estádios. O Beira-Rio, de Porto Alegre, fará compostagem do gramado, aproveitando a grama cortada para a produção de adubo. Por fim, o lixo proveniente das construções é mínimo, requisito igualmente importante para conferir a um estádio o selo de sustentável.
Tais projetos, muitos feitos em parceria com grandes escritórios de arquitetura internacionais, ainda estão na prancheta. O que sairá do papel depende de dois fatores: tempo e viabilidade econômica. Entre investimentos públicos e privados, a estimativa de gastos com os projetos chega a mais de 5 bilhões de reais. É metade do que a Alemanha gastou em doze estádios na Copa de 2006 – mas a conta sempre aumenta com o andamento das obras. Além disso, o Brasil tem até dezembro de 2012 para concluir todas as obras, sob o risco de receber cartão vermelho da Fifa – que costuma ser rígida em seus critérios. Na maioria dos casos, estruturas já existentes passarão por reformas profundas para adaptar-se às normas da entidade. O Beira-Rio, de Porto Alegre, por exemplo, terá uma cara totalmente nova. Outros estádios darão lugar a construções novinhas em folha. É o caso do antigo Machadão, de Natal, que será substituído pela Arena das Dunas. Em setembro, a Fifa reprovou o projeto de reforma do estádio do São Paulo, o Morumbi, candidato a receber o jogo de abertura da Copa. Também o Maracanã, no Rio de Janeiro, está na mira dos avaliadores e corre sério risco de não ser palco da final dos jogos se a licitação pública do seu projeto de reforma não for concluída até o começo do ano que vem. Nesse caso, a grande dificuldade é atender às exigências da Fifa sem alterar a arquitetura do estádio, tombado pelo patrimônio histórico.
As construções sustentáveis passaram a ser condição sine qua non para a organização da Copa do Mundo em 2006, na Alemanha. O Allianz Arena, de Munique, tornou-se um caso-modelo com sua cobertura retrátil automática, que oferece ganhos na conservação do gramado, na iluminação e na captação da água da chuva, e seus sistemas modernos de tratamento de esgoto. Mas nem tudo é assim tão sustentável na arquitetura verde. O próprio Allianz Arena se mostrou, com o passar do tempo, bem menos "ecoe-ficiente" do que se imaginava. Como a fachada do estádio tem um sistema de troca de cores, dependendo da equipe que está em campo, são necessários 100 quilômetros de cabos elétricos e 4 250 lâmpadas que consomem 1,47 megawatt de energia e requerem a instalação de cinco transformadores.
Construído para a Olimpíada de 2008, em Pequim, o Ninho de Pássaro é outro exemplo. Vendeu-se como altamente ecológico, por seus gasodutos subterrâneos que economizam energia ao aquecer e resfriar o estádio, e também por seu sistema de tratamento de água, feito por meio de raízes de plantas aquáticas. No entanto, sua manutenção revelou-se um problema. A poluição e a sujeira ficam depositadas na estrutura de 110.000 toneladas de aço, obrigando o uso de uma quantidade imensa de água para a limpeza. A casca metálica não tem nenhuma funcionalidade, é apenas bonita esteticamente. Requereu dez vezes mais aço do que um estádio tradicional. O caso evidencia o possível conflito entre a ambição estética e a ambição ecológica.
Criado em 1998, o Leed é o mais importante selo internacional de qualidade ambiental para construções. A sigla significa Leadership in Energy and Environmental Design (Liderança em Energia e Design Ambiental). Recentemente, a entidade americana que o confere constatou que mais de um quarto dos edifícios certificados não economiza o total de energia previsto em seus projetos. Mostrou-se quase impossível prever com antecedência o consumo exato de uma edificação. Só quando ela começa a funcionar é que se aferem detalhes como quantas pessoas frequentam o local e com qual periodicidade.
"Temos de aprender com os erros dos outros. O Brasil tem a chance de dar um exemplo de eficiência", diz o arquiteto Vicente Castro Mello, um dos autores do projeto do Estádio Nacional de Brasília e vice-coordenador da comissão de arquitetos dos estádios. É preciso, no entanto, dar atenção ainda a outro fator: os estádios têm de se comunicar com suas cidades. Pouco adianta um projeto perfeito de reciclagem de dejetos se a prefeitura local não der a eles o fim correto. Parte dos projetos já leva isso em conta. Em Cuiabá, um acordo foi feito com o governo municipal: caminhões retirarão o lixo separado ao fim de cada jogo e o levará diretamente às usinas de reciclagem. "Os arquitetos não podem resolver todos os problemas ecológicos do mundo, mas têm de ser sensíveis ao construir, de acordo com as limitações e a cultura locais", diz o grande arquiteto inglês Norman Foster, autor da Ponte do Milênio, em Londres.
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